Na sala de espera do paraíso

>> segunda-feira, janeiro 05, 2009



(Nota do Autor: Esse conto foi inspirado em outro conto chamado “A Arte de andar nas ruas do Centro do Rio de Janeiro”, de um dos meus autores favoritos, Rubem Fonseca. Minimalisticamente, ele se inspirou num outro autor conhecido da literatura nacional, Machado de Assis. Esse é um fragmento de um caderno de notas, uma parte o caminho foi feito no mundo real o outro no mundo dos sonhos. Nunca tive a intenção de fazer nada literário, é apenas uma homenagem diferente a aniversariante de hoje e a mulher que eu amo, Fernanda Pereira do blog Compulsão por Palavras)





Desde que desci do onibus em frente a estação do Metro da Presidente Vargas eu pensei nela. Não que eu tenha lembranças românticas do metro (mesmo o de sampa que é 15 vezes maior que o do Rio de Janeiro), mas pelo fato de ter entrado na Pça da República. A praça para mim é um dos recantos mais deliciosos, relaxantes e nostálgicos do Centro do Rio, desde que comecei a “usá-la” para estudar apostilas RosaCruz a anos atrás. A Pça da republica não é uma praça propriamente dita, é como um Mini-Parque Ecológico retangular, os românticos vão dizer que ele se parece com o Central Park, enfurnado bem no meio do transito caótico que contorna a Sede do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio, bem atrás da praça da Republica, recortando o Hospital Souza Aguiar, a antiga Casa da Moeda, para desembocar no meio da Presidente Vargas em frente a Central do Brasil. A única coisa que diferenciaria, segundo os românticos, a Pça da Republica do Central Park são a quantidade de gatos abandonados e Capivaras que o nosso Central Park tem. Entre os córregos, as árvores bruxuleantes, as cavernas artificiais, chafarizes e estátuas mitológicas nesse jardim, eu pensava nela. Pensava em caminhar despreocupado com o tempo, com a hora, com o sol ou a lua. De mãos dadas, numa cena nada incomum, mas com um significado único e comum a nós dois. Pelo sol deveria ser 4 da tarde, e eu sabia que o avião dela só chegaria ou passaria pelo rio a uma da manhã, se o vôo não atrasar.

Por isso eu resolvi andar sem relógios na memória...


Sai da Pça da Reública e fui caminhando até o Saara, Associação de Lojistas criada há mais de meio século e um dos paraísos de compras do Centro (muito menos do que a 25 de março e seus contrabandos) o Saara tem história, como tudo no Centro do Rio. Talvez por isso que eu sempre gostei de trabalhar aqui e apesar de seus problemas, moraria aqui sem questionar. Entre os lojistas recentes (20 anos), se misturam lojistas desde o final da 2º guerra Mundial, árabes, turcos, judeus, chineses, japoneses, espanhóis, italianos, portugueses, tailandeses qualquer origem fugida da guerra onde os sobrados abrigavam todos os refugiados. Ali ainda lembro de ter conhecido uma das primeiras lojas ali a Casa Pedro, que vende até hoje especiarias de todo o Brasil e boa parte do Mundo. Me lembrei dela e da farra que faríamos na cozinha (tb sei cozinhar, para os que não acreditam!) com todos esses temperos, sabores, aromas e degustações (a cozinha é um excelente afrodisíaco, para os olhos e para a boca!) o que não faltará para provar tudo! Enquanto caminhava entre a multidão suarenta de fim de tarde, muita gente saia do trabalho para comprar lá, as lojas funcionavam até as 19, 20 hs, quase havia esquecido uma outra característica da Saara: a Rádio Saara e suas propagandas uma pior e mais brega do que a outra! Não adianta fazer propaganda de qualidade, ninguém compra! Tem que ser bem tosco mesmo, totalmente trash! A que me matou de rir, inclusive depois de ter ouvido algo “parecido” da minha avó, é uma propaganda de aluguel de vestido de noiva. Tinha que ser breguérrimo! A mulher dá um grito no rádio e lamenta berrando: “Ai Meu DEUS! Eu quero é Casaaaaaaaaaaaaaaaaaar!” e toca marcha nupcial!! È de morrer de rir cara, ninguém casa ouvindo essa porra!
Sigo até a Rua do Ouvidor, onde tem a estátua do Pixinguinha, e parte dela onde é preservada desde o século passado, até a rua do Mercado, que de Mercado só tem o nome. Corto por uma viela e saio na Visconde de Rio Branco, seguindo para a Avenida Rio Branco, a artéria principal do Centro Comercial do Rio. Fico parado num sinal, dou um 360 e olho para cima. A única coisa que escuto são carros, ônibus, praças, lojas, igrejas, viadutos, camelos, secretárias, marginais, executivos, mendigos, advogados prostitutas, ambulantes, fachadas, janelas, cartazes, letreiros luminosos, pichações, lixo, bueiro, luzes vermelhas, fast-fode, vans, caminhões, perfume barato e principalmente pessoas. Isso me embrulha o estômago e prefiro sair da artéria pulsante, disfarçado de intestino, e recuperar o ar em outros órgãos.

O Centro do Rio de Janeiro pode ser lido de várias formas...

Corto caminho pela Sete de Setembro e saio na Gonçalves Dias, com suas lojas antiqüíssimas, muitas butiques, cafés e docerias, para admirar a mais histórica de todas, a Confeitaria Colombo. Ela não me sai da cabeça quando decido dar uma pausa para tomar um café com chantily e provar um brownie de fabricação própria. A Confeitaria Colombo existe, ou melhor resiste, há mais de 100 anos e é uma dos poucos resquícios do Brasil Império. Toda a sua arquitetura é baseado naquela época e seu café e extremamente convidativo. Mesmo hoje o nome é preservado, inclusive o preço na hora que eu vou pagar, mas vale pela curiosidade. Só não sei se a curiosidade vale pelo preço...



Resolvo continuar pela Gonçalves Dias até a Rua da Carioca uma das mais antigas e conservadas do Centro do Rio. Os mais diversos sobrados, hoje quase todos comercias pairam de datas centenárias, como um sobrado carcumido que parece uma toca de rato, na fachada vê-se a data, 1918, na lateral vê-se a atividade comercial, Relax por 15 reais, 15 min. Encontraram um nicho de mercado inexplorado: os de ejaculação precoce! Essas contradições, sobrados do inicio do século passado que viraram puteiros, acontecem o tempo todo no Centro do Rio, mesmo com as ruas de comércio direcionado. Enquanto eu ria da comparação, me lembrei dela, que tb tinha feito uma reportagem sobre o tema e o quanto eu tinha orgulho do seu trabalho, da sua inteligência, da sua sagacidade e da perseverança que há muito eu tinha abandonado por estar longe da faculdade. A rua Rua da Carioca é conhecida por comercio direcionado a Malas e Couros e Instrumentos Musicais (inclusive uma das lojas mais antigas do Brasil, onde Ary Barroso e Noel Rosa eram clientes), que hoje divide com Pastelarias, Puteiros e Boates, que foram dois cinemas antigos, da época que os homens iam ao cinema de terno, gravata e chapéu de feltro, e hoje virou Boate GLS e Boate de festas Alternativas, o Cine Ideal e o Cine Íris. Uma noitada com ela numa festa no Cine Íris, pulando e dançando em cima das cadeiras do cinema ao som de punk-eletro-rock, seria no mínimo alucinado, surreal e divertidíssimo! Já começa a escurecer e os Bares enchem depois do expediente. Lembrei do Bar Luiz, um dos mais velhos do Centro do Rio, e com as cervejas mais caras, com sua decoração até hoje igual a dos anos 30, quando foi inaugurado.
Começava a garoar, quando percebi que pelo fato dela chegar a noite, não verá o Pão de Açúcar na Baia de Guanabara quando aterrisar no Galeão. Pelo menos ela verá do Aerorporto o internacionalmente conhecido, Morro do Dendê! Perde-se um, ganha-se outro. (ou ninguém ouviu a musica do filme Tropa de Elite? “Paraparapapapapapapa, o Morro do Dendê ninguém vai invadi!”)
Andei despreocupadamente até a Pça Tiradentes, onde os pontos de entretenimento se divergem e dividem o mesmo espaço com mendigos e indigentes ao longo da praça. A estátua de Tiradentes está cagada de pombo, mas ficou linda com um novo varal de roupas extendido para secar a luz da lua. Carências sociais existem há muito tempo no Centro do Rio e qualquer um se quiser pode virar a cara para não ver. Mas ela existe e nesse sentido, de andarilho, não mencioná-la é destoante, até absurdo criar uma literatura baseada somente nas belezas pitorescas e esquecer o que está ali, debaixo das narinas. Quando menciono divergências de entretenimento é que existem para todos os gostos, 2 Teatros, Baile da Estudantina (Boate para quem é pé de valsa), puteiros em profusão e hotéis baratos para acomodação. Ali o movimento é grande, e ela ficaria fascinada com as peças maravilhosas nos teatros e com o clima do Rio antigo na Estudantina. Imagino ela numa roupa estonteante para dançar, um sorriso estampado e escancarado no rosto, com um perfume de distorcer meus sentidos e com um gingado excitante. As luzes da fachada do Teatro e da Estudantina fariam os olhos dela brilhar e cada palavra, cada gargalhada, cada choro, cada manha, cada swingue, misturando o sabor de sua boca com do vinho, eu ficaria completo...Caramba, já é tarde da noite e se eu fantasiar muito por aqui posso ser assaltado!


Para não perder tempo nem a hora, faço uma passada rápida pela rua do Pólo Cultural Novo Rio Antigo (novorioantigo.com.br) percorro a subida da Avenida Chile ao lado da Oi, percorro a transversal com a Av Rio Branco e a Almirante Barroso, sigo até a Avenida Antonio Carlos e pego o onibus para o Aeroporto do Galeão, já está quase na hora! Quando o ônibus pega a Av Beira Mar a chuva desaba torrencialmente, desfocando a paisagem lá fora, me deixando a sós num ônibus quase vazio, eu, minha imaginação e o coração saindo quase pela boca.
Todos os momentos, sensações e sentimentos contraditórios que tive ao longo do tempo comigo mesmo, anseia pela vontade incomensurável de encontrar com ela pela 1º vez. Juro que puxo lá das minhas entranhas todo o equilíbrio que eu tive a perseverança e a preponderância de exercitar e desafiar diante de algo inusitado nesses últimos meses, principalmente em beijá-la e saber que ela te ama cara. Mas a única coisa que eu penso é numa piada idiota sobre camisinha e sinto como se fosse um adolescente rumo a conquista do seu primeiro beijo! As vezes eu penso que seria melhor ainda três dias sem sair da cama...


Durante o trajeto fétido que me desperta desses pensamentos, quando o ônibus cruza a ponte passando pela Ilha do Governador sobre a Baia de Guanabara, a poça, chego desembestado a porta de entrada do Aeroporto Internacional do Galeão Antonio Carlos Jobim. Mantenho a calma itinerante, porque seu eu correr por aqui sou capaz de ser perseguido pela PF, como se eu tivesse cara de Fundamentalista Islâmico, e prossigo perguntando onde fica a porcaria do terminal de desembarque tal. Do outro lado do Aeroporto! Na ansiedade de entrar logo, esqueci que o ônibus passa pelos dois lados do Galeão. La vou eu igual a um cavalo andando pelos corredores até o outro lado do Aeroporto. Sinto muito, não existe espírito andarilho dentro de um aeroporto. Esteira, parede, mala, janelinha para ver o avião, balcão, cafés, souvenirs, janelinha para ver o avião, livrarias, jornaleiros, restaurantes, janelinha para ver o avião, informações, alfândega, painel eletrônico e mecânico com os horários e locais de embarque/ desembarque e...janelinha para ver a porra do avião! Tudo igual. Tomei um delicioso e caro café, pensando nela a cada gole e o quanto seria delicioso dividir um cafezinho juntos, enquanto conversamos trivialidades como dois namorados.


Finalmente achei a porcaria do local de desembarque da empresa aérea por onde ela sairia. Sentei na ante sala de espera de frente para o portão do desembarque, como se algum anjo fosse sair dali com uma espada flamejante e uma harpa dourada e redimisse os meus pecados. Não tive nenhum interesse esse ano em Natal e em Reveillon. No Natal eu não compartilhei com a hipocrisia anual. E no reveillon eu compartilhei o momento com pessoas que realmente desejariam conviver em harmonia, e por isso valeu muito a pena. A simplicidade e o calor humano deu lugar a suntuosidade e a ostentação. Por isso só dei importancia aquilo que é verdadeiro. Voltando ao aeroporto em algum momento me senti como se estivesse meio acordado e meio dormindo. Como toda chegada de celebridade como o Papa, a Madonna, o U2 ou os Rolling Stones, a dela deveria ser igual. Estava ansioso, nervoso, suado, angustiado, intusiasmado, excitado, esperançoso, desesperado, inseguro, confiante, extremamente feliz, inebriado, exasperado, desconcertado, contente, maravilhado, embasbacado, catatônico e quase tendo um choque anafilático. Ou seja, estava muito tranqüilo. Finquei os pés ali e não sai para nada até ela chegar (estava tendo um outro sintoma do nervosismo: hipotermia!) e o voou atrasou. Ela chegaria a 1 da manhã! Virei para procurar qual o relógio menos errado e TODOS marcavam 1:05 da manhã (dizem que é cabalístico, não sei), no exato momento que eu viro meu rosto eu sou encarado por um par de olhos castanhos que no momento seguinte, fração de milisegundos, se joga nos meus braços, me aperta tão forte e tão calorosamente que eu perco a respiração. E o tempo pára...


Se ficamos ali 15 segundos ou 15 horas ninguém tem idéia e pouco importa isso! Naquele lapso de tempo só existia dois corpos, o coração pulsando e mais nada. Porque o tempo e o espaço foram preenchidos, da maneira mais cabalística possível, que o resto pouco importa, só importa o ali e o agora. Lágrimas e sorrisos se perdem entre pulsações e apertos. O afago, o cafuné, o chamego, o xero, o aroma do perfume um do outro, transpassado pela memória desde o início até o derradeiro dia, é uma sensação de completa satisfação e conforto. A mais derradeira prova foi finalmente superada. Tive uma Epifania quando a abracei, as coisas ficaram nítidas, cristalinas e compreendidas. Aquele é o nosso momento. A vida é feita de momentos. E nossos lábios aproveitaram o momento propício também. O beijo é uma interessante estratégia inventada pela natureza para ser posto em prática quando as palavras se tornam supérfluas.
Hoje, 05/01 é aniversário dela! FELIZ ANO NOVO Fê! Que Deus ilumine e te abençoe para todo sempre, que sua força e perseverança, que nossa objetividade e sagacidade, alcance lugares nunca antes imaginados!
E saiba que esse esquizofrênico aqui, TE AMA DO FUNDO DA ALMA!
Parabéns e felicidades extremas!!


11 comentários:

Fernanda 9:08 PM  

er o que?

É o melhor presente de aniversário que eu já ganhei na vida!!!

E do aeroporto pra frente os meus sonhos são iguais...

Segurando agora, as lágrimas, é a 4° vez que releio, segurando o choro pra poder transformar em sorrisos num futuro próximo, tão próximo que até posso sentir seu cheiro...

AMV

Fabi 3:15 AM  

Igor...sensacional. Estou vivendo um momento "incontinência emocional" e seu belo post me emocionou profundamente. Lindos.Feliz ano todo pra vcs dois.
QUE O AMOR PRA SEMPRE VIVA!
Bjos

Anônimo 2:24 PM  
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo 2:25 PM  

Lindo, lindo... É de deixar os olhos marejados.
Você tem muito jeito, para escrever contos. Parabéns e que o amor sempre, esteja presente em sua vida.

cotrimus 8:14 PM  

dez.
uma declaração de amor ao rio e ao amor.
bjs e abraços.

*Renata Gianotto 11:16 AM  

Meu amigo,

Estou encantada com seu romantismo. Acho que toda essa hist'oria daria um belo livro.
Mas, fiquei sem entender se isso foi real ou sonho. Espero que tenha esse encontro tenha realmente acontecido.

Grande beijo!

Re

Anônimo 10:00 AM  

Ai que lindo feito! Muito bom receber um presente desses de niver. ='.'=

Anônimo 10:14 AM  

oi Igor,
passando voando pois tou saindo de viagem agora ... passei prá deixar meu beijo de feliz 2009 agora que voltei do sumiço.

volto depois prá te ler...

xêro

Fabi 3:24 AM  

Menino, coisa maluca...
Agora que soube que o seu amor saiu daqui, da cidade em que moro.
Nossa, tens uma torcedora por essa história linda!
Bjo gde aos dois.

Anônimo 10:57 PM  

olha... presentão de aniversário.
que o ano de vcs seja mágico!

e, nossa, vc escreve o rio tão bem. fico encantada por essa paixão.
poucos conseguem isso!

beijooo

Alice Venturi 11:46 AM  

Lindo, Igor.
Uma surpresa que o acaso da internet me trouxe.
Iluminou o dia.

Beijo.