Coisas do Brasil 2 - Um pedaço da França no Rio

>> domingo, dezembro 14, 2008

Blogagem Coletiva (atrasada, porque esse é o 3º tema que escrevo) proposto pela minha queridíssima Andréia Motta do Leio o Mundo Assim.

SANTA TERESA
Entre o Sagrado e o Profano


Um bairro boêmio e cultural da cidade que surge sobre uma colina que já viveu seu boom imobiliário desde o final do século XIX, utilizada, por fontes não confirmadas, varias vezes por centro de comandos militares na década de 60, devido a sua posição estratégica, contornado por ruas e ladeiras tortuosas, vielas e declives, retornando-se a um ponto de encontro de artistas, intelectuais, hippies, universitários, bêbados e escritores e milhares de turistas principalmente estrangeiros.

Por mais que essa descrição seja parecida (e comparada) com o bairro de Montmartre, em Paris (bairro boêmio com seus artistas, intelectuais, hippies, universitários, escritores, bebados e bailarinos), Santa Teresa é o bairro do Rio de Janeiro que detém todas essas descrições no currículo, dentre outras particulares que nenhuma outro bairro artístico da França tem: 17 favelas.

Santa nasceu chique. Ou melhor, nasceu...Santa. No século XIX, com a chegada das missões estrangeiras que acompanharam Dom João VI, os ricos e poderosos escolheram o morro para viver: a vista era linda, a água, de melhor qualidade, e o clima, mais ameno. Naquela época, abriu-se a primeira via de acesso, a Rua Dona Luzia, hoje Candido Mendes, e iniciou-se um verdadeiro boom imobiliário. No final do século, o bairro já estava completamente povoado por casarões nobres. A ocupação era predominantemente europeia. No começo do século XX, com o burburinho dos visitantes, a maioria artistas que vinham se apresentar no Municipal, muitas mansões passaram a abrigar hotéis de luxo, como o velho Hotel Santa Teresa. Santa tornou-se a Montmartre carioca (o bairro onde nasceu o internacionalmente conhecido cabarét Moulin Rouge Paris). Nos anos 60, no entanto, o glamour começou a descer a ladeira. O primeiro motivo foi uma tempestade de três dias seguidos, em 1966, que destruiu casas, matou pessoas, isolou o bairro e expôs a fragilidade da infra-estrutura local. Paralelamente, as favelas do entorno se multiplicaram. Aos poucos, os moradores endinheirados partiram e os imóveis passaram a ter preço de banana.

A partir de 1999, as coisas começaram a mudar. Estrangeiros começaram a subir o morro, atraídos pelo charme natural, já que pouca coisa acontecia por lá. As casas estavam ocupadas por artistas locais e alternativos em geral. Lá por 2002, teve gente que resolveu trazer uma rede internacional de turismo e hospedagem, para hospedar turistas que apareciam de mochila nas costas e não encontravam hotel. É conhecida como "Bed and Breakfest". O Cama e Café acabou gerando uma importante mídia espontânea que divulgou a região lá fora. Santa Teresa entrou no roteiro do guia "Lonely planet", a bíblia dos viajantes, e ganhou matérias em jornais importantes como o inglês "The Guardian" e o americano "The New York Times", além de diversas reportagens em revistas. Dos muitos gringos que bateram pernas pelas ruelas, alguns ficaram e compraram casarões, atraídos pelos preços acessíveis. Santa Teresa viveu, então, um novo boom imobiliário. E aí todos os tipos de infraestruturas foram levantadas para abranger os novos turistas que se hospedavam em Santa Tereza, principalmente franceses. Lá pelas bandas de Paris, o Rio de Janeiro era apenas samba, suor, carnaval, mulheres, futebol e violencia. Devido a comparação com o bairro francês, muitos artistas instalaram seus ateliês nas ruas de Santa. Há anos, diversos Centros Culturais Municipais, Cinemas, Projetos, exposições, museus, teatros, oficinas, workshops e bibliotecas, foram se multiplicando em Santa.

O Carnaval tb faz parte de Santa Teresa com o unico bloco "comportado" do Carnaval: o Bloco das Carmelitas! Existe no alto do Morro o Convento de Santa Teresa e o bloco todos os anos representa uma espécie de fuga do Convento, o abandono do Hábito e o cair na Folia. Os católicos mais ortodoxos odeiam e acham uma falta de respeito. Cada um pensa o que quiser, mais sair fantasiado de freira ou de frei no Bloco das Carmelitas é divertidíssimo!

A Chave Mestra, Associação de Artistas Visuais de Santa Teresa, possui no site todos os projetos artísticos e culturais que ela promove, inclusive o evento mais conhecido que faz parte do calendário cultural da Prefeitura do Rio, o "ARTE DE PORTAS ABERTAS". Todos os ateliês do bairro abrem suas portas e garagens para qualquer pessoa apreciar e comprar os trabalhos. O evento ocorre normalmente em Julho, mas pode haver mais de um evento por ano, com seu devido mapa de ateliês.
A hospedagem, que virou tb uma caracterísitca marcante em Santa, não é apenas para quem procura Hotéis 5 estrelas (O antigo Hotel Santa Teresa, ou Hotel dos Descasados, que virará um Chatôu) ou Bed and Breakfast (mais baratos que hotéis da zona sul). Varia republicas de estudantes, albergues, quartos e vagas para alugar, inclusive nas antigas mansões e palacetes do bairro, fizeram a festa de quem precisa estudar e morar próximo ao Centro. Além do bairro ser localizado numa colina, com as raízes na Lapa, o seu entorno faz limite com os bairros da Glória, Catete, Botafogo, Laranjeiras, Cosme Velho, Silvestre, Humaitá, Centro, Catumbi e Rio Comprido.

A marca mais conhecida de Santa Tereza são os Bondinhos de Santa Teresa, os unicos bondes remanescentes do Rio Antigo, e os unicos bondes que ainda circulam no Brasil, que ainda estão em pleno funcionamento. Por um preço exclusivamente barato (R$ 0,60 comparado a passagem de onibus de R$ 2,20), vc pode passear pelas ruas de Santa saindo da estação que fica no Centro, ao lado do prédio da Petrobras, passando por cima dos Arcos da Lapa e subindo até quase o Morro dos Prazeres. Inclusive com um passeio próprio até o Cristo Redentor. Se vc estiver pelas ruas de Santa e seguir o ditado ao pé da letra "pegar o bonde andando", ficando nos beirais, sem se sentar, vc anda de graça. Com a velocidade do bondinho e os rangidos dele, parecendo que o bondinho vai se desmontar a qualquer momento, é uma aventura única!

Aliás, o Morro dos Prazeres abriga um casarão centenário, que já passou de mão em mão, desde instituições particulares ao Governo Federal, hoje nas mãos da Prefeitura, conhecido como Casarão dos Prazeres, onde tenho lembranças históricas por ter sido minha primeira reportagem e nessa época os condutores de bonde estavam em greve, um Centro Cultural que dá lugar a várias aulas de arte plástica, dança e música para jovens moradores de seu entorno. É lá que acontece o Comunid’Arte evento onde moradores de favelas de Santa Teresa expõem seus trabalhos artísticos. O Casarão dos Prazeres é o centro de exposições e atividades educativas e comunitárias que a Secretaria Municipal de Educação mantém. No dia em que pisei ali pela primeira vez, toda a comunidade estava organizando a primeira apresentação de Balé Infantil do Casarão dos Prazeres.

A Prefeitura do Rio tem tanto conhecimento do Casarão, que quando eu fui na própria Secretaria de Educação, muitos funcionários além de desconhecerem e nunca terem ido lá, acharam que eu estava fazendo uma matéria histórica de um Puteiro!

Só por esse pequeno detalhe que qualquer um pode imaginar que Santa Teresa não é o pedaço de céu cercado de favelas por todos os lados. Não tem menos violência e falta de segurança pública do que no resto do Rio de Janeiro, existem diversos e milhares de problemas de transporte público e uma única empresa monopólica que atende ao bairro, lá existem índices significativos de crimes, como assalto a mão armada e estupros, e de vez em quando facções rivais tentam tomar o poder das favelas dali, fazendo com que tenham incursões e blitz policias, inclusive do BOPE, mas que EU VI COM MEUS PRÓPRIOS OLHOS, o que a cultura pode fazer com a cabeça de uma criança que vive e cresce numa comunidade cercada pelo Comando Vermelho. E que o mínimo de infraestrutura e revitalização do bairro é construído pelos próprios moradores.

Como se todo mundo fosse morro...

Fotos:

André Claudio Mendonça
Ana Maria Moura (sketch colorida do Casarão dos Prazeres)
Literatura e Rio de Janeiro
Bloco das Carmelitas
Arquivo Pessoal

Informações Turisticas, Artisticas e Culturais

InformaSanta.com
Camaecafe.com.br

17 comentários:

Anônimo 2:13 PM  

Igor queridíssimo! Valeu a pena esperar para ler cada palavra aqui. Acho que eu nunca vi nada tão completo sobre Santa Tereza.

Achei bizarro o desconhecimento de funcionários da prefeitura a respeito do Casarão.

Você citou o convento de Santa Tereza, mas ele não é o único lá; existem pelo menos mais dois: um deles é Nossa Senhora da Assunção, que durante muitos anos funcionou como escola para moças e depois foi convertido em casa de retiros, mas as irmãs continuavam lá. Eu estive lá por duas vezes nesse período em foi usado como casa de retiros (Calma! Eu não tentei virar freira!). Esse convento fica na Almirante Alexandrino e, dia desses, passei por ele e vi com tristeza que as irmãs não conseguiram mantê-lo: o prédio está sendo usado como escola pública pelo governo do estado, o que eu abomino, pois temo que o prédio de mais de 100 anos seja mal usado.

Muito obrigada por ter escrito! Beijos pra você!

Fernanda 2:44 PM  

Eu sou paulista, daquelas apaixonada por garoa, buzina e trânsito. Como todo paulista tenho certa aversão a carioca com sua fala arraxtada, seu jeito gingado e sua, em geral, falácia das belezas da capital carioca. Beleza natural, feita por Deus, sem a participação do homem, portanto não têm do que se gabar.

Nos últimos tempos tenho me rendido, a esse jeito carioca cálido e denso de falar, essa forma praiana de viver e me deixado levar pelas lembranças que eu ainda não tenho de coisas que vão acontecer.

Sabe o que eu achei mais legal? Me senti dentro dos contos de Machado de Assis, tão carioca e que me apresentou um Rio que eu nunca precisei temer. O Rio do Cosme Velho, da antiga Rua do Ouvidor e das glórias do Catete. Amo literatura e senti cada página de literatura brasileira viva, misturando-se a sua narrativa...

Quero conhecer tudo...;)Pelas mãos de um machadiano que nem sabe que é machadiano...

AMV

PS: Em Santos, litoral Sul de São Paulo, também há bondes em funcionamento.

PS²: Discordo da Andréa que se o prédio está sendo usado como escola é mal uso. Muito pelo contrário, é uma chance de colocar as crianças em contato coma história viva. Quem sabe seja uma chance de formarmos adultos mais conscientes da importância histórica e da influência do passado sobre o futuro de uma nação! É uma chance, e chances devem ser aproveitadas!

Fabbie 3:14 PM  

Igor!
Simplesmente perfeita essa viagem cultural pelo bairro.
Quando estive no Rio foi tão rápido q não deu para conhecer tudo e esse seu post dó me deixou mais saudosa por ter perdido coisas tão peculiares.

Amei o texto. Muito muito muito bom.

Beijos e bom domingo!

Igor Garcia 3:52 PM  

Fê do meu coração,

Engraçado, mesmo sendo carioca nunca tive aversão aos manos e as minas, mesmos os buzinantes, molhados pela garoa e amante de engarrafamentos! XD

E minha cara besta em vc me chamar de machadiano sem saber que nunca mais li nenhum livro do Machado de Assis (por isso me inscrevi na biblioteca perto de casa).

E vc me deu uma idéia deliciosa: eu NUNCA fui no Cosme Velho! Preciso fotografá-lo! XD

E quanto a afirmação da Andréia sobre as escolas, eu concordo com vc e com ela!

Concordo com vc que uma Escola num prédio centenário é sim uma oportunidade, senão única, de conscientizar da importancia histórica não só da propria escola, mas de qualquer outro predio que teve sua influencia sobre o passado e possivelmente exercerá influencia sobre o futuro!

E concordo com a Andréia, porque eu também estudei num colegio centenário, administrado pelo Governo do Estado (C.E. João Alfredo, em Vila Isabel) e eu sei na pele, que tipo de administração de merda, e um Governo Estadual de merda, transforma um prédio centenário em um pedaço de concreto pixado, depredado e destruido.

AMV tb!

Bjs n'alma!

Anônimo 4:52 PM  

Igor,
você entendeu perfeitamente o que eu quis dizer quando me referi "ao mal uso" do prédio do convento: nós dois sabemos o que um governo estadual desleixado com a educação pode fazer com patrimônio centenário (ou pior, deixar de fazer); conheço o colégio João Alfredo. Além disso, como comentei com você, dia desses, já professora da rede estadual, portanto sei o que digo.

Sobre o comentário da Fernanda, eu jamais diria que usar o prédio como escola pública seria mal uso, não no sentido em que ela entendeu. EU SOU EDUCADORA; seria, pois, uma contradição!

Bom domingo!

*Renata Gianotto 10:55 PM  

Fala, meu amigo carioca!

Adorei esse seu post detalhista sobre o bairro de Santa Teresa.

Eu não conheço o Rio e depois dessa coletiva, li e vi tantas outras coisas interessantes além do bondinho, do Cristo e do Corcovado e fiquei ainda mais curiosa pra embarcar aí.

Abração e ótima semana!

Sonia H. 11:36 PM  

Igor,
Você foi perfeito em seu texto sobre Santa Teresa!
Preciso visitar Santa Teresa mais vezes!
Abraços,

Wagner Trindade 1:58 PM  

Ae brother
blz?!
po cara belo texto , essa cidade é ms showww!!!
Santa Teresa que historia :o

Faço parte da Blogagem Coletiva \o/
Um forete abraço

Pedro BV 9:31 AM  

Grande Igor,

Conheci Santa Tereza, somente quando fiquei de férias e hospedei na casa do meu irmão, que morava lá. (2000-2001)

Aliás nestas férias, fiz coisas que nunca havia feito morando no Rio. Andar no bonde de Santa Tereza, na Balsa Rio-Niteroi, subir na Pedra da Gávea, ir na Pedra Bonita, no Cristo Redentor (pasme...até na Pedra da Gávea eu fui primeiro), caminhar no centro para ver os artistas populares, amanhecer na praia de Itacoatiara depois de ir parar num baile funk em São gonçalo em uma roubada ao sair com os amigos. kkkk

Acho que foi também nesta vez, veja bem, que passei o Reveillon em copacabana. Morando 8 anos no Leme...kkkk...eu nunca havia passado, sempre viajava nas férias.

Caramba é bom curtir o Rio. Não recomendo a ninguém a andar de taxi em Santa Tereza, os motoristas ficam putos da vida, com o caos da ladeira e preocupados com os pneus no trilho de bonde.

Bom mesmo é o bonde, onde misturam os turistas passeando e a massa indo ao trabalho, onde uma batucada da madeira ao ferro, se mistura os sons das lotações e do caos urbano.

O Rio e seus constrastes, Santa Tereza é um bom exemplo.

Abração

Vanessa Anacleto 9:41 AM  

Olá, eu tb estou na coletiva e passando para ler os posts com algum atraso . Este seu não foi um post mas uma reportagem completa. Imperdível, parabéns!


abraço

Fernanda 1:05 PM  

Amor, fiquei imaginando o Pedro num baile funk...

kkkkkkkkkkkkkkkk

Danielle Lima 11:04 PM  

Eu AMO Santa! Um dos meus lugares favoritos de todos! Que vou morar nem que seja por uma semana...
Faltou o Museu das Ruínas. Meu lugar preferida, com uma das vistas mais bonitas da minha cidade MARAVILHOSA!

Beijo!

lola aronovich 11:12 AM  

Oi, Igor! Tudo bem? Faz um tempão que a gente não se fala! Muito legal vc escrever detalhadamente sobre um bairro. Abração!

Anônimo 2:40 AM  

aah q post lindo. deu vontade de pegar a máquina e amanhecer lá...
ó, qdo for ao cosme velho, me chama, ok?!
beijos.

*Renata Gianotto 9:32 PM  

Vim desejar Feliz Natal pra você, meu amigo!
Que em 2009 eu possa continuar te visitando, mesmo que virtualmente. Foi um grande prazer ter te conhecido e poder me tornar leitora oficial daqui.

Abração,

Mila Cardozo 1:04 PM  

Te desejo um excelente 2009!!!!
Beijos Mila

Carol Rodrigues 2:01 AM  

SEM PALAVRAS!
Sensacional esse post sobre Santa Terê, que eu tanto amo!!!

PARABENS