Cronica de Uma Morte Anunciada

>> terça-feira, outubro 28, 2008

Tio Délio e tia Lizete, no dia de seu casamento, 6/12/1947


Hoje de madrugada o ultimo parente da parte antiga da família faleceu. O tio Délio era meu tio-avô, filho de uma família ilustre, renomada, reconhecida, mas infelizmente sem nenhum contato com os parentes desde que o pai dele faleceu: os Amado.


Tio Délio era o que consideraríamos hoje um Designer, que trabalhou na Imprensa Naval durante muitos anos. Ele era pacato, brincalhão, gozador, sacana, até pouco tempo ainda cantava umas menininhas na rua, fumava até a véspera de sua internação, adorava os netos em profusão, Felipe, Etienne e Ligia e amava incomensuravelmente a Rosangela, filha única. Mais ainda quando ficou co-dependente dela quando Tia Lizete e Amaury (filho dos dois) faleceu OS DOIS em menos de uma semana, Tia Lizete faleceu, 4 dias depois Amaury. Eu confesso que ao longo da vida tive pouco contato com Tio Délio, menos do que gostaria.


Tio Délio era marido de minha tia Lizete, irmã da minha avó, guerreira, sacana, briguenta, determinadíssima em suas convicções, segurou cada perrengue na vida que a maioria já teria desabado, fumava também até antes de morrer, e era desbocada para caralho! O pai do tio Délio era irmão de Jorge Amado e a mãe dele, dona Maria, era a típica espanhola. Até do lado da família da minha avó existe sangue espanhol. Toda a família vive e viveu em Vigário Geral, desde a década de 20, os filhos do seu Amado e dona Maria foram criados lá. O seu Amado era conhecido na região pela característica física, gordo, sacana (característica da família), sarcástico e amante de um cachaça.


Tio Délio era o 3º de 8 irmãos, composto inclusive por gêmeos, chamados Zizinho e Merinho, que descobri há pouco tempo, eram a frente de seu tempo, pois tinha uma profissão que corroboraria o desenvolvimento e a evolução de Vigário Geral, assim como sua característica violenta: eram matadores de aluguel. Ficaram presos 21 anos no presídio de Ilha Grande, foram libertados, se tornaram evangélicos para trabalhar em paz, matando, e foram mortos 1 ano e pouco depois de soltos. Um dos gêmeos, já na casa dos 40 e pouco, foi cercado pela policia na casa do mesmo terreno em Vigário, o terreno com as 6 casas duplex existe até hoje, invadiram a casa e metralharam o quarto inteiro com ele dentro!



Juro que vou me candidatar a Historiador da família (tenho uma árvore genealógica digital, que retomarei a reconstruir), mas a ultima coisa que eu preciso saber, não é depois que alguém morre! Porra!



Tio Délio tinha um Câncer nos rins, que após a biópsia foi detectado que era terminal. Eram 6 tumores nos rins. Ele ficou internado 15 dias, e a ultima noite de sexta e de sábado eu passei com ele. È como se uma vela estivesse apagando. Em vários momentos ele respirava devagar, fechava os olhos, e ia devagar, devagar, devagar, mas continuava. Orei muito para acabar com o sofrimento dele, mesmo depois quando eu perguntei, ele disse que não sentia dor alguma. Passar 15 dias internado com um fraldão geriátrico e uma sonda enfiada no pau, mijando sangue, não é algo muito confortável.


Ele estava seco, emagreceu muito ao longo dos dias, e na sexta retrasada quando conversávamos, batíamos papo, ríamos, falávamos putaria para descontrair, nessa sexta ele já não falava, mal se mexia. O fato dele estar seco, impedia a pulsão da agulha do soro na veia, porque não encontrava veia. Fizeram uma micro cirurgia na veia subclávia para enfiar o soro. Os médicos cogitaram de uma diálise, mas pelo risco, pela idade e pelo estado de saúde, as chances de morrer eram enormes. Mas porra, para que fazer diálise se descobriram que os 6 tumores eram inoperáveis??? Objetivo do médico é lutar pela vida, não abandonar para a morte. Mas adiaram, ninguém queria operá-lo nessas condições, ninguém assumiria o risco.


Deram a ele duas bolsas de sangue para engordá-lo, deixá-lo mais saudável. Ele ficou TÃO saudável que queria fugir do hospital! E quem estava com ele? Pois é... No mínimo eram bolsas de alguém de 18 anos, porque além dele ficar bem corado, ele ficou o sábado inteiro e parte da noite tentando levantar, tirando o fraldão, arrancando o soro e querendo sair. À noite, lá pelas 23, por mais doloroso e angustiante que possa ser, liguei para a Rosangela e pedi autorização para imobilizá-lo. E veio a confirmação de que o sangue era de alguém de 18 anos. Mesmo com os dois braços amarrado ele ficou 2 horas GRITANDO querendo sair do hospital. Do corredor ouvia o grito dele. O companheiro de quarto dele dormia como um bebe, e a filha dele saiu do quarto para não ouvir os gritos. Conversei com ele várias vezes, tentando acalmá-lo. Dizia que tinha que dormir em casa, que quem tem que ficar amarrado é doente, não ele, que a família dele está esperando, que ele tinha que ir à igreja, etc, etc.


Depois de uma súplica com a enfermagem, que foi lá duas vezes conversar com ele, e ainda dizia que a culpa de te-lo amarrado era minha, eles deram um Fenargam intramuscular e ele apagou por mais de 10 horas, deixando eu e o resto dormirmos um pouco.


Hoje soube que os médicos decidiram ontem submetê-los a diálise, depois que ele teve uma parada cardíaca. E não resistiu...


Tio Délio, seu sobrinho neto aqui ama vc, mesmo não estando tão presente na sua vida! E sei que, Tia Lizete, Minha avó, Tia Arlete, Tia Clélia, Tio Júpiter, Amaury, Seu amado, Dona Maria, Os gêmeos Zizinho e Merinho, e os outros irmãos, estão todos do seu lado para que a receptividade seja a melhor possível.


E sei que o dia que EU estiver com vcs, faremos uma festa do caralho!


em Paz. E que Deus o abençoe. Sempre.

6 comentários:

Fernanda 11:06 AM  

E no sábado a noite eu fiquei imaginando o tio Délio saracoteando pelo quarto, querendo sair com o Igor, esse sacana que me levou às lágrimas!

Querido, sabemos que a morte é apenas a curva da estrada, não é o fim, a extinção ou qualquer dessas coisas que as pessoas optam por acreditar. Nós sabemos que ele apenas voltou pra casa. Está nos braços do Pai. E bem, muito bem cuidado por tanta gente amada!

A gente que aqui fica, zela por lembrar só dos bons momentos. Das horas de alegria, dos sorrisos e dos grandes feitos. Tenhamos ou não acompanhado de perto todos eles.

Te mando o meu abraço, um beijo na pontinha do queixo, daqueles que quando se dá, se olha nos olhos. Eu estou segurando a sua mão agora, tá?!

Adoro você em cada palavra e um pouco mais!

(abs)

*Renata Gianotto 11:44 AM  

Igor,

Como pode esse mundo de blogs nos envolver tanto? A gente sofre junto, fica feliz, comemora com o outro, mesmo que sejamos amigos de longe, com o gosto de escrever em comum.
Estava sentindo sua falta.
Quando vi no meu reader que você tinha atualizado o blog vim correndo. Mas, fiquei tão triste pelo que aconteceu. Imagino (porque nunca estive tão próximo de alguém doente assim) o seu sofrimento e a sensação de impotência que sentiu. Mas, o que a Fer disse é verdade. Temos que guardar os momentos felizes, incluindo seus minutos jogando "putaria" fora. Sua crônica é uma linda lembrança que ficará registrado em palavras pra sempre.

Um abraço gigante!

Pedro BV 11:50 AM  

Igor,

Conserve a memória de sua família. Faça valer, a sua história.

O tempo passa de forma cruel, e quando temos uma perda, lamentamos o tempo não passado (o que faríamos de diferente?). Acredito, que você foi companhia importante e necessária para o seu Tio, neste momento de transição.

Que Deus dê o conforto com a paz!

Abraço

Entre Trintas 12:59 PM  

Amore,

Sinto muito pelo Tio Délio. Você sabe que pode mantê-lo vivo em seu coração e através do resgate da memória, por isso... mãos à obra!!!!!

Se precisar de colo, aqui tem.

Bjos n'alma!
Gisa (ex-Tia Gi by IG)

Anônimo 10:47 AM  

Lembre dele sempre, e sempre somo ele era.

Sabe... me deu vontade de chorar, essa parte da sua história me fez pensar muita na minha vida!

Grande abraço!

Erika 11:12 AM  

Eu sinto muito pelo tio Délio, e por você também. Mas gosto da forma como encara as coisas tristes da vida.
Fique bem, e na festa do caralho, se eu já estiver por lá, me chama?

beijos!